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A F1 perdeu, em Montreal, uma grande chance de melhorar sua imagem

A F1 perdeu, em Montreal, uma grande chance de melhorar sua imagem

Nice, França – Suponha que Sebastian Vettel não tivesse errado na 48ª volta, de um total de 70, do GP do Canadá da F1, neste domingo, e a esta altura os italianos ainda celebrassem mais que a vitória na sétima etapa do campeonato, mas o fato de a Ferrari ter se mostrado competitiva e interrompido a série seguida de conquistas da Mercedes. Hamilton, seu piloto, teria recebido a bandeira “apenas” em segundo.

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Voltemos, agora, à realidade dos fatos. Pressionado por Hamilton, Vettel mais uma vez entregou o ouro. Cortou a chicane formada pelas curvas 3 e 4 do Circuito Gilles Villeneuve, em Montreal, e ao regressar à pista criou a polêmica do fim de semana na F1 que, pelo visto, não vai terminar aí. Explico já.


Quando voltou para o asfalto, segundo os três comissários desportivos e o piloto convidado para ajudá-los, Vettel não respeitou o artigo 38, parágrafo 1, do regulamento esportivo da FIA. Ele diz: ao reentrar na pista o piloto deve fazê-lo de forma segura, não comprometendo a passagem dos carros que a percorrem.


Acontece que Hamilton, muito próximo de Vettel naquele instante, disposto a ultrapassá-lo para assumir a liderança da corrida, ao ver o alemão fora do asfalto não hesitou em posicionar sua Mercedes bem à direita da pista, a fim de evitar um possível choque com a Ferrari. Mas ao sair da área de escape da chicane, Vettel ocupou exatamente o espaço onde Hamilton acreditou ser possível ultrapassá-lo.

Os dois só não se colidiram porque Hamilton primeiro tirou o pé do acelerador e depois freou. Vettel manteve a ponta, com Hamilton em segundo. No rádio, o piloto inglês disse a seu engenheiro, Peter Bonnington: “Seb não respeitou as regras, voltou à pista quase provocando um acidente”.

Obviamente o diretor de prova, Michael Masi, os três comissários e o piloto convidado, Emanuele Pirro, cinco vezes vencedor da 24 Horas de Le Mans, tiveram a sua interpretação do incidente. Consideraram que Vettel já tinha controle da sua Ferrari SF90 e deliberadamente a deslocou para a direita com o objetivo de impedir Hamilton de ultrapassá-lo para, provavelmente, vencer a corrida.

Para isso, os comissários usaram uma série de imagens de TV, quadro a quadro. Nove voltas depois do incidente, na 57ª, Mattia Binotto, diretor da Ferrari, e o engenheiro de Vettel, o italiano Riccardo Adami, bem como a imprensa, leram na tela das TVs no circuito que o piloto seria punido com 5 segundos no seu tempo de prova. Naquele instante, Vettel estava somente três segundos na frente de Hamilton.

Vettel argumentou, depois da bandeirada, que não tinha o que fazer. A trajetória assumida por ele foi a natural para quem sai da pista e regressa ao asfalto. Não teve intenção de espremer Hamilton no muro. Uma coisa é um piloto deliberadamente voltar à pista e obrigar um adversário frear ou desviar para não bater. Outra é quando sua trajetória normal, gerada pelo tipo de curvas, na volta ao asfalto provoca uma consequência dessas.

Por acreditar que Vettel não tinha como fazer nada de diferente, Binotto já anunciou que a Ferrari recorrerá da decisão de os comissários punirem seu piloto, o que tirou da equipe a provável primeira vitória do ano.

Parte da torcida, em Montreal, vaiou Hamilton no pódio. É bem possível que milhões de fãs não apenas de Vettel e da Ferrari, mas da própria F1, tenham se revoltado com a mudança do resultado provocada pela controversa punição a Vettel.

Mais uma polêmica na F1

Imagine que o diretor da Mercedes, Toto Wolff, afirmou que o tema é polêmico, 60% provavelmente concordam com a decisão e os demais 40%, não. A porcentagem bastante elevada de visão contrária mostra como há hoje muita gente indignada com o rumo assumido pela F1, afetando diretamente a qualidade do espetáculo, o que ajuda a explicar a queda nos índices de audiência na TV.

Ao pé da letra, os comissários cumpriram o que está escrito no regulamento. Vettel não agiu com segurança e poderia ter mantido a Ferrari mais no meio da pista, já tinha controle do carro, dando espaço a Hamilton.

Mas tudo não passa de uma interpretação do ocorrido. E contrária ao que diz Vettel, de que não tinha como fazer sua Ferrari não atravessar a pista.

O desgaste maior para a F1 vem do fato de em outras ocasiões a interpretação dos comissários também ficou bem distante da opinião pública. E se compararmos com a de outros exemplos, encontramos incoerências. Assim como um acidente não é exatamente igual a outro, na interpretação dos comissários ainda há bastante subjetividade.

É por isso que cresce a cada dia o número de fãs da F1 que defende uma importante redução da interferência dos comissários naquilo que acontece nas pistas, a ideia é deixar a corrida correr mais solta, desde que, claro, um piloto não comprometa, de verdade, a segurança dos colegas.

No caso específico do incidente deste domingo, é pouco provável que os três comissários estejam 100% seguros de que Vettel não está sendo sincero, ou seja, não tinha como seguir trajetória distinta. Eles próprios são muito experientes para entender que existe lógica técnica na alegação do piloto da Ferrari. E, na dúvida, o mais aconselhável é dar à vítima o benefício da própria dúvida.

Todos ganhariam. Primeiro, seria um resultado a menos decidido na sala dos comissários. Essencialmente a F1 passaria uma ideia maior de justiça, o que os interessados pelo evento imploram, em todos os níveis.

Mais: seria uma vitória legítima da Ferrari. A série de primeiros lugares seguidos da Mercedes seria interrompida, importante em qualquer disputa esportiva. Sem falar que daria um certo ânimo às etapas seguintes do campeonato, pelo menos até a Mercedes voltar a se impor na competição.

Tudo isso foi jogado pela janela por uma decisão dos comissários que se baseou em uma questão interpretativa, não preto no branco, atestada pelas reações dos fãs. Em resumo, a F1 perdeu uma grande chance de melhorar um pouco sua desgastada imagem junto à torcida, por conta do excesso de regras quanto ao que pode e não pode ser feito nas pistas. E de interpretação quase nunca inânime.

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