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GP Brasil de 1977: valia simplesmente tudo na F1

GP Brasil de 1977: valia simplesmente tudo na F1

Já que o próximo GP do campeonato, 20º do calendário, é o GP Brasil, dia 17, considero oportuno resgatar uma história que eu mesmo vivenciei, em Interlagos, no distante 1977. Conhecê-la representa uma oportunidade para vermos como era a F1, inconsequente com a segurança, e como evoluiu exponencialmente.

Vamos ao que mais caracterizou a corrida realizada em pleno verão, 23 de janeiro, sob um calor arrasador. A temperatura elevada ajudou a decompor o asfalto na curva 3 do antigo e espetacular traçado de 7.960 metros do GP Brasil, no fim da grande reta. A administração do autódromo o recapeou pouco tempo antes. Aquele piso precisava de um tempo para “curar”, como diziam.

Assim, a combinação entre a obra de última hora, o calor e a passagem de carros de 500 cavalos de potência, com pneus bem largos, levou o asfalto a esfarelar. Sem aderência, nada menos de nove pilotos perderam o controle de seus carros, colidindo contra as telas de proteção na curva 3. Os anjos estavam de plantão e ninguém se feriu com gravidade.

Emerson Fittipaldi decidiu competir, a partir de 1976, com sua própria equipe. O público, como sempre, lotava Interlagos, entre os que pagaram para ficar nas arquibancadas e os milhares que assistiam ao evento sentados em cima do muro que contorna o autódromo. Eu estava na arquibancada, um pouco à esquerda da linha de chegada, tinha boa visão de toda a pista.

Com Emerson de fora da luta pela vitória, os fãns concentravam sua atenção no grande José Carlos Pace, da Brabham-Alfa Romeo, que dava pinta de poder disputar um belo campeonato. Na etapa anterior, duas semanas antes em Buenos Aires, Pace quase vence. Chegou em segundo.

Pace obteve o quinto tempo na sessão de classificação. Emerson, o 16º. O campeão do mundo do ano anterior, 1976, James Hunt, da McLaren, estabeleceu a pole position, com o argentino Carlos Reutemann, da Ferrari, e segundo.

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Controle precário no GP Brasil

Mario Patti era o diretor desta prova do GP Brasil. Ele acionaria o sinal verde. O combinado era este: comandaria o sinal vermelho e a partir daí teria cinco segundos para decidir a hora de autorizar o início da competição. Não havia controle eletrônico para detectar quem respeitava a regra.

Nunca vou esquecer esta imagem: Pace, na terceira fila, bem em frente onde me encontrava, já estava se deslocando há segundos quando o sinal verde acendeu. Isso o levou de quinto para segundo como um passe de mágica. E já na freada da curva 3 Pace ultrapassou Reutemann para assumir a liderança do GP Brasil. Nós vibramos na arquibancada. Pace tinha condições de voltar a vencer a prova, como havia feito em 1975, com Brabham-Ford. “Ninguém viu” Pace queimar a largada.

Hunt ultrapassou Reutemann na terceira volta para ser segundo e colocar Pace na sua mira. Mas ainda no início da corrida, sétima volta de um total de 40, o asfalto da curva 3 começou a soltar. Pace foi a primeira vítima. Ele freou tarde, é verdade, para defender-se do ataque de Hunt, mas em condições normais manteria a trajetória. Não foi o caso.

O aerofólio dianteiro da Brabham tocou no pneu traseiro direito da McLaren. Enquanto Hunt pode prosseguir na corrida e agora como líder, Pace precisou percorrer o restante do longo traçado bem mais lento até chegar nos boxes. Reutemann, terceiro no GP da Argentina, acompanhava Hunt o tempo todo.

Cemitério de carros

Na 22ª volta, os pneus em melhores condições do argentino o ajudaram a ultrapassar Hunt para ser primeiro. Estávamos na metade da prova. A irresponsabilidade dos responsáveis pelo trabalho de recapear o asfalto deu o tom da graça na plenitude: quem passasse pela curva 3 com uma única roda fora do trilho interno e carregando alguma velocidade era jogado para a reduzida área de escape, onde telas esticadas com caibros os aguardam.

Anote aí. Deixaram o GP Brasil, naquele ponto, o italiano Vittório Brambilla, com Surtees-Ford, ainda na 11ª volta, o suíço Clay Regazzoni, Ensign-Ford, na 12ª, junto do sueco Ronnie Peterson, Tyrrell-Ford, aquele de seis rodas, e o alemão Jochen Mass, McLaren-Ford.

Na 23ª volta foi a vez do companheiro de Peterson, o francês Patrick Depailler, na 26ª, o francês Jacques Lafiti, da Ligier, Ford, na 30ª, o irlandês John Watson, Brabham-Alfa Romeo, e na 33ª, Pace, de novo, mas desta vez ficou lá.

Segurança passava longe

Chama a atenção tudo o que envolve esse episódio, como os torcedores sentados a metros de onde os carros paravam depois de sair da pista, sentados no muro. Um perigo enorme. Mais: o despreparo dos bombeiros, sem dispor sequer de maca. Os pilotos que, atordoados, não conseguiam sair do cockpit, os bombeiros, trabalhando como responsáveis pelo resgate, os arrancavam e levavam para a ambulância com as mãos.

Se ele tivesse uma fratura óssea com potencialidade para se estender a uma lesão neurológica, com consequências sérias, aquele procedimento era perfeito. Há um vídeo que ilustra tudo isso com precisão e riqueza de detalhes – está no link.

Obviamente a torcida ficou triste quando viu Pace também ir parar no estacionamento de destroços dos carros na curva 3 de Interlagos. Ocupava já o nono lugar, em bela recuperação, como boas chances de nas sete voltas restantes acabar entre os seis primeiros que marcavam pontos na F1 daquela época. Hoje são os dez primeiros.

Fittipaldi, grata surpresa

Mas, por outro lado, Emerson manteve bom ritmo, para a realidade de sua equipe, e aproveitando-se de tantos abandonos era o quarto colocado, classificação final, a uma volta do vencedor, Reutemann, com Hunt em segundo e Niki Lauda, Ferrari, terceiro.

Dois pilotos que disputaram o GP Brasil de 1977 morreriam logo em seguida. O inglês Tom Price, da Shadow-Ford, já na etapa seguinte, na África do Sul, ao atropelar um comissário que atravessava a pista para apagar um incêndio no carro de seu companheiro, Renzo Zorzi. O extintor do comissário de 18 anos, sem treinamento algum, atingiu o capacete de Price, matando-o de imediato, assim como o jovem.

Pace perderia a vida dois meses mais tarde, em um acidente aéreo, com um monomotor, ao sobrevoar a região da Serra da Cantareira, na grande São Paulo, junto de outro piloto brasileiro, Marivaldo Fernandes.

Quem for a Interlagos para assistir, daqui a pouco mais de uma semana, a 48ª edição do GP Brasil e não teve a chance de saber o que se passou no mesmo autódromo há 42 anos, não imagina como era a F1 daqueles heróis que lutavam, primeiro, para sobreviver.

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