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GP do México: a eficiência de Hamilton e a inoperância da Ferrari

GP do México: a eficiência de Hamilton e a inoperância da Ferrari

Há corridas de F1 em que seu desenvolvimento segue um ritmo lógico e sem surpresas. Não há mudanças importantes de posições entre os pilotos, nenhum fator inesperado interfere no resultado.  Esse não foi o caso, com certeza, do GP do México, disputado neste domingo no Circuito Hermanos Rodriguez.

Vamos discutir o evento, entender como Lewis Hamilton, da Mercedes, apesar de ter caído de terceiro para quinto depois da largada e, mesmo sem dispor do carro mais rápido, venceu a 18ª etapa do campeonato e quase definiu o título, o sexto da brilhante carreira?

Antes mesmo de desembarcar na Cidade do México, com seus 2.200 metros de altura, Hamilton afirmou que a prova seria, provavelmente, a mais difícil do calendário para a Mercedes. E lembrou que nos dois últimos anos a vitória ficou com Max Verstappen, da Red Bull-Renault. O ar mais rarefeito parecia atingir mais seu time que o dos adversários mais próximos.

A sessão de classificação, no sábado, mostrou que o modelo W10 de Hamilton e seu companheiro, Valtteri Bottas, não tinha, em uma volta lançada, a mesma velocidade do SF90 de Charles Leclerc e Sebastian Vettel, da Ferrari, primeiro e segundo no grid, e mesmo o RB15-Honda de Verstappen e Alexander Albon, quarto e quinto. Hamilton ficou em terceiro e Bottas, sexto.

Treino livre do GP do México

No treino livre de sexta-feira à tarde do GP do México, no entanto, quando os pilotos simulam a corrida, ou seja, realizam séries de 10, 12, 15 voltas seguidas, começando com algo como 50, 60 quilos de gasolina no tanque, o ritmo de Hamilton e Bottas era até mesmo um pouco melhor que o de Leclerc, Vettel, Max e Albon, indicativo de que ambos, apesar de possivelmente largar atrás, poderiam, dependendo das condições, surpreendê-los.

Mas para complicar e muito a vida de Hamilton na corrida, ele foi obrigado a aliviar o pé no acelerador na grande reta depois da largada porque Vettel lhe fechou o caminho. Max se aproveitou e colocou seu carro do lado direito para ultrapassá-lo, estaria por dentro na trajetória da curva 1.

Início comprometedor

Ambos percorreram as curvas 1 e 2 quase lado a lado, chegando a se tocar e sair do asfalto. Hamilton perdeu duas posições. Leclerc liderava, Vettel era o segundo, Albon, terceiro, Carlos Sainz Júnior, da McLaren, quarto, e só então surgia Hamilton, quinto. Max caiu para oitavo.

Pior: o assoalho da Mercedes de Hamilton, em frente o pneu traseiro direito, acabou danificado na luta com Max, gerando perda de pressão aerodinâmica, em um circuito em que naturalmente há menor geração, por conta da menor densidade do ar. Seria assim até a bandeirada, ao fim da 71ª volta.

A consequência desse estado de coisas é os pneus se desgastarem mais, pois o carro escorrega mais.

Agora começo a descrever a série de feitos espetaculares de Hamilton, do estrategista da Mercedes, James Vowles, e do grupo de boxes da escuderia alemã. Mesmo sem dispor do máximo de performance do seu carro, Hamilton e Vowles não mudaram a estratégia original de um único pit stop.

Assim, Hamilton fez a parada na 23ª volta. Substituiu os médios usados na largada pelos duros novos. Teria de completar impressionantes 48 voltas com ele, nos 4.304 metros do traçado mexicano, com um carro não no seu melhor estado. Um grande desafio.

Mas nem mesmo o enorme talento de Hamilton, a eficiência do W10 e da equipe justificariam deixar para trás os quatro pilotos que estavam na sua frente ao fim da primeira volta para receber a bandeirada em primeiro. Hamilton desenvolveu seu trabalho com a maestria que o fez conquistar a 83ª vitória e 149º pódio na F1.

Ao longo de 70 anos de história da F1, provavelmente apenas supercampeões do calibre de Ayrton Senna e Michael Schumacher seriam capazes de manter o elevado ritmo imposto por Hamilton ao longo das 48 voltas com o mesmo jogo de pneus duros, com um carro menos equilibrado do normal.

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Estratégia fatal

Mas afirmei que Hamilton precisou de algo mais da sua imensa capacidade para vencer. Sim, esse é o segundo dos três temas de nossa conversa. Vou direto ao ponto: a estratégia pouco eficiente da Ferrari, coordenada por seu especialista, Inãki Rueda.

A Ferrari obteve nove pole positions este ano até agora, mas só venceu três corridas. Em várias o time não respondeu da forma mais adequada às suas condições, como fez a Mercedes, por exemplo, desperdiçando a chance de vencer.

Neste domingo, tanto Vettel, segundo, como Leclerc, quarto, não esconderam sua insatisfação com a estratégia escolhida para o GP do México. Vettel afirmou em seguida a deixar o cockpit: “Talvez devêssemos ser mais criativos quanto à estratégia”. Leclerc: “Preciso ser mais duro com relação ao que quero fazer quando estou no carro.”

Os dois viram que dispunham de velocidade para vencer, mas Leclerc caiu de primeiro para nem mesmo chegar no pódio, quarto, sem ser ultrapassado por ninguém. As três posições perdidas por Leclerc, para Hamilton, Vettel, segundo, e Bottas, terceiro, foram nas operações de pit stop.

Enquanto os três primeiros realizaram um único pit stop, Rueda decidiu que Leclerc deveria fazer dois, nas voltas 15 e 43. Em relação a Vettel, Rueda o chamou para os boxes na 37ª volta, depois da metade da corrida, fazendo-o perder tempo na pista. Lembro que Hamilton parou na 23ª volta. É pelos motivos expostos que tanto Leclerc quanto Vettel criticaram, discretamente, a estratégia da Ferrari.

Max Verstappen não se aproveitou do fato de dispor do carro mais rápido para vencer o GP do México, teve de se explicar à equipe. |Imagem”AP Photo/Eduardo Verdugo

Raio X da derrota

Veja os números a seguir, eles mostram de forma inequívoca o erro estratégico da Ferrari para os seus dois pilotos. Quando Leclerc fez o primeiro pit stop, na 15ª volta, era o líder, com uma vantagem de 5s159 para Hamilton, terceiro. Vettel era o segundo, a 2s369 do companheiro de Ferrari.

Já na 44ª volta, a 27 da bandeirada, a primeira depois do seu segundo pit stop, Leclerc ocupava somente o quarto lugar e a impressionantes 16s160 de Hamilton, líder desde esta segunda parada do monegasco.

Com Vettel não foi muito diferente. Na 22ª volta, uma antes do pit stop de Hamilton, o alemão era o líder, 1s619 na frente de Hamilton, segundo. Na 38ª volta, uma depois da sua parada, Vettel estava 7s364 atrás de Hamilton.

A Ferrari fez um esforço muito grande para melhorar seu modelo SF90 e conseguiu, também, desenvolver uma unidade motriz que disponibiliza mais potência que a da Mercedes, Honda e Renault. Há quem questione sua legalidade, como no ano passado.

Mas não adianta construir apenas o carro mais rápido e contar com grandes pilotos, Leclerc e Vettel. Para vencer é preciso que a equipe, como um todo, funcione com perfeição. E nisso os italianos liderados por Mattia Binotto estão atrás do grupo comandado pelo excepcional Toto Wolff, diretor da Mercedes.

Arrojado até demais

Por fim, uma pincelada em Max. O holandês da Red Bull vinha de duas vitórias no GP do México, em 2018 e 2017. Estabeleceu a pole position, no sábado, mas punido por não respeitar a bandeira amarela, no Q3, largou em terceiro. Tentou aproveitar a chance de ultrapassar Hamilton, nas curvas 1 e 2, assumindo riscos desproporcionais. Os colegas não tiram mais o pé do acelerador nas disputas com o arrojado Max. Principalmente Hamilton.

O holandês dispunha possivelmente do melhor carro da pista, o mais rápido. Ele caiu para último, em seguida a um toque, outro, com Bottas, na quinta volta, também por o finlandês defender seu território. Max quis ultrapassá-lo onde, para carros de performance semelhante, não é possível. Na entrada do estádio. O choque foi inevitável. Isso mandou Max de volta aos boxes, perdendo enorme tempo por se arrastar sem o pneu traseiro direito.

Aí colocou em prática seu talento impressionante e com o mesmo jogo de pneus duros da quinta volta seguiu até o fim da 71ª, sempre em ritmo forte. Por isso terminou, ainda, em sexto. Com um safety car na prova Max teria chances de lutar por um pódio.

Onde quero chegar é que se Max tivesse sido um pouco mais prudente, tanto nas tentativas de ultrapassar Hamilton quanto Bottas, seria candidato a vencer pela terceira vez a corrida no Circuito Hermanos Rodriguez. Max foi no México o piloto afoito que o caracterizou até o GP de Mônaco do ano passado. Depois disso sua evolução foi exponencial.

A F1 já está em Austin, no Texas, para a disputa do GP dos Estados Unidos, 19º do calendário, no próximo fim de semana. Muito provavelmente Hamilton definirá o título lá, como fez em 2015. Com 363 pontos diante de 289 de Bottas, o piloto inglês de 34 anos necessita de somente quatro pontos a mais que o finlandês para a conquista do sexto mundial.

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