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F1: O dia em que o piloto não venceu e achou que havia vencido

F1: O dia em que o piloto não venceu e achou que havia vencido

Olá, amigos.

Em um de nossos últimos encontros aqui nesta seção que resgata histórias curiosas da F1, nós conversamos sobre aquele episódio do piloto que havia vencido um GP e não sabia. Talvez você se lembre. Foi Ricciardo Patrese, da Brabham, no GP de Mônaco de 1982. Falei com ele, nos deu detalhes daquela experiência única.

Pois o assunto, hoje, é exatamente o oposto: o piloto que não venceu e achou que havia vencido. Eu estava lá e vou contar a verdadeira versão do fato, não a que a maioria acredita. Refiro-me ao GP dos Estados Unidos de 2002, disputado no lendário Circuito de Indinápolis.

Michael Schumacher e Rubens Barrichello eram companheiros de equipe na Ferrari, naquela temporada. O modelo projetado sob a liderança de Rory Byrne, com a coordenação técnica de Ross Brawn, F2002, era tão mais eficiente que o dos concorrentes que Schumacher definiu a conquista do seu quinto título da F1, igualando-se a Juan Manuel Fangio, ainda no GP da França, 11º do calendário, dia 21 de julho.

Como a temporada teve 17 etapas, até hoje é o campeonato que acabou mais cedo na história de 70 anos da F1, com somente 64,7% das corridas disputadas. O então presidente da FIA, Max Mosley, mudou o critério de pontuação já para 2003 a fim de evitar algo semelhante, bem ruim para os interesses da F1.

Para você ter uma ideia da supremacia de Schumacher, o seu pior resultado em 2002 foi uma terceira colocação no GP da Malásia, segundo do ano. Nos demais, ou Schumacher venceu, 11 vezes, ou terminou em segundo, em cinco ocasiões. Impressionante, não?

Rubinho foi o vice naquele ano, com quatro vitórias e cinco segundos lugares e um terceiro, dentre os pódios.

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Hoje não, hoje não, hoje sim

Exposto o cenário do que vou contar, vamos aos fatos. Ah, desculpe, muito importante também: na sexta etapa daquele ano, disputada em Spielberg, na Áustria, ocorreu algo que até hoje incomoda os brasileiros. Rubinho liderava a prova. Jean Todt, diretor da Ferrari na F1, ordenou a ele, oito voltas antes da bandeirada, deixar Schumacher ultrapassá-lo. Era para o alemão vencer e não ele.

Todt chegou a se irritar com Rubinho, pois não o atendia. Ele o lembrou das cláusulas no contrato, que o obrigavam a acatar as determinações da equipe. Rubinho acabou por deixar Schumacher ultrapassá-lo, mas apenas a poucos metros da linha de chegada, na bandeirada. Foi uma revolta geral, não apenas no Brasil. Mosley proibiu já a partir da etapa seguinte as chamadas ordens de equipe na F1.

Um dia pitoresco na F1

Avancemos, agora, para o GP dos EUA, naquele mesmo ano, 2002, 16º e penúltimo do calendário, realizado dia 29 de setembro. Schumacher estabeleceu a pole position e Rubinho ficou com o segundo tempo na classificação. Largariam na primeira fila.

A dupla da Williams-BMW, com Juan Pablo Montoya e Ralf Schumacher, não representava perigo para os pilotos da Ferrari, mas se algo acontecesse com Schumacher ou Rubinho eles estariam lá para possivelmente vencer. Acontece que logo depois da largada, Ralf errou a freada e acertou Montoya. David Coulthard, da McLaren-Mercedes, que vinha no bloco dos primeiros, deve ter dado risada. Ficou fácil para ele assumir o terceiro lugar, mantida até o fim.

Sem adversários, Schumacher e Rubinho correram sozinhos, sempre muito próximos, mesmo nos dois pit stops. Foi assim nas 73 voltas no circuito de 4.195 metros, 13 curvas, sendo as duas últimas as mesmas da pista oval da 500 Milhas de Indianápolis da Fórmula Indy, mas percorridas no sentido horário, o inverso do original.

Rubinho, no carro debaixo, cruzou a verdadeira linha de chegada, ao lado da faixa de tijolos, alguns centímetros na frente de Schumacher. | Foto: Reddit

Surpresa total

Na última volta, ninguém esperava novidades, Schumacher receberia a bandeirada com Rubinho um pouco atrás. Mas o piloto alemão reduziu a velocidade para o companheiro se posicionar lado a lado. Schumacher queria que ambos cruzassem a linha de chegada juntos, mas com ele, obviamente, em primeiro. Era uma forma de demonstrar ao mundo a supremacia da Ferrari.

Olha que coisa incrível, agora. A pista de indianápolis tem uma faixa de 80 centímetros de largura, atravessando-a, onde o piso é o original da construção do autódromo, em 1909. Acredite, de tijolos. É perfeitamente alinhada com o asfalto do restante do circuito.Tudo muito bem feito. Os americanos são nostálgicos. Bela recordação.

Mas antes dessa linha de chegada, bastante original, há uma outra linha pintada no chão, branca, cerca de 50 metros antes. Schumacher e Rubinho vinham lado a lado se aproximando da bandeirada. O portador da bandeira quadriculada fica meio escondido, não é muito evidente para o piloto vê-lo. E Schumacher estava preocupado em manter sua Ferrari lado a lado com a de Rubinho.

Quando passou por essa linha branca pintada na pista, antes da verdadeira linha de chegada, poucos centímetros à frente de Rubinho, como ele queria, Schumacher aliviou o acelerador. Na sua cabeça, a corrida havia acabado. Ele venceu e Rubinho ficou em segundo.

Acontece que a corrida ainda não tinha terminado. A verdadeira linha de chegada ficava os tais dos 50 metros mais para a frente. Se Schumacher reduziu a velocidade, Rubinho não o fez. Dessa forma, quem cruzou primeiro a verdadeira linha de chegada, imperceptíveis centímetros na frente de Schumacher, foi Rubinho.

Sabe quanto em termos de tempo? 11 milésimos de segundo. É muito, muito menos que um piscar de olhos. É a menor diferença da história da F1 entre o vencedor e o segundo colocado. Como escrevi, o bico da Ferrar de Rubinho passou pela linha controlada eletronicamente raros centímetros na frente do companheiro.

O que você fez?

Schumacher tinha certeza de que ele havia vencido. Mas enquanto acenava para o público, Brawn entrou no rádio para cumprimentar seus pilotos e dizer: “Michael, the winner is Rubens”, ou Michael, o vencedor é Rubens. Nós tínhamos a imagem da câmara a bordo da Ferrari de Schumacher e é nítido como ele, chocado, gesticula com a mão para Rubinho, com o carro bem do seu lado, andando devagar, como que diz “o que você fez?”

A cara amarrada do alemão imediatamente ao deixar o cockpit confirmou a história, ratificada mais tarde por pessoas próximas ao piloto. Como na Áustria, em maio daquele mesmo ano, Rubinho freou para Schumacher ganhar a corrida, o alemão aproveitou para dizer que era a vez dele retribuir o favor que o companheiro lhe havia feito.

Isso fez Schumacher sair por cima da história, “gosto de justiça”. Poucos sabiam que seu sentimento era de incompreensão com o ocorrido. No pódio, era uma festa só. Motivos: o alemão, há muito campeão, a Ferrari, campeã entre as equipes, e Rubinho, com a vitória, o vice.

Na entrevista depois do pódio, Schumacher se limitou a dizer que não tinha planejado nada, decidiu reagir daquela forma ali na hora. Foi só após nós jornalistas perguntarmos a ele se aquilo era a retribuição do que Rubinho lhe havia feito em Spielberg, quatro meses antes, o alemão respondeu “sim”. Mas não convenceu todos. Abraços.

Veja o vídeo da corrida, mostrando a chegada:

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