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O Hamilton que conheci nos últimos 14 anos

O Hamilton que conheci nos últimos 14 anos

Narro aqui algumas das muitas experiências profissionais que tive até agora com Hamilton desde que o conheci, no GP de Mônaco de Fórmula 3 de 2005, isso mesmo há 14 anos. Acredito ser um forma diferente de apresentá-lo.

Eu seguia de perto a carreira de Lucas Di Grassi no Campeonato Europeu de F3, naquela temporada. Competia pela equipe Manor, tendo com parceiro o britânico Paul Di Resta. Mas quando a F3 chegou no Principado de Mônaco, quarta etapa do calendário, um jovem piloto já chamava muito a atenção de todos.

Nas seis corridas das três etapas realizadas, um inglês chamado Lewis Hamilton, do time francês ASM, se impôs de forma avassaladora. Venceu quatro, foi terceiro em outra e desclassificado, junto de mais sete pilotos, na Bélgica, por irregularidade no difusor, porção final do assoalho.

Eu queria conhecer de perto aquele piloto. Como faço com regularidade, agora ainda na F1, me desloquei atrás do guardrail no trecho compreendido entre a chicane depois do túnel e a curva Rascasse, penúltima do traçado de Monte Carlo, passando pela Tabacaria e a entrada e saída da Piscina.

Personalidade de Hamilton, estilo de Senna

Nunca escrevi isto: aquele piloto, mesmo em um carro de F3, com o capacete amarelo, me lembrou muito Ayrton Senna percorrendo o mesmo segmento de pista. Levava muita velocidade para as curvas, freava dentro e ao acelerar logo em seguida não deixava a traseira escapar, como seria de se esperar. Técnica primorosa.

Essa, amigos, era a principal característica de Senna, razão maior de ser um dos pilotos mais velozes de todos os tempos, senão o mais rápido. Pois aquele menino, Hamilton, então com 20 anos, realmente me impressionou. Claramente era um piloto diferenciado, tinha um estilo bastante parecido com o de Senna, agressivo, mas perfeitamente sob controle e consciente de cada movimento do carro.

Hamilton conquistou as duas pole positions daquele GP de Mônaco de F3 de 2005 e venceu as duas corridas do programa, dando-lhe seis vitórias nas oito provas realizadas.

Repare como certos predicados máximos são preservados por pilotos excepcionais, multicampeões do mundo. Nesta temporada, sua 13ª na F1, para obter o sexto título Hamilton venceu 10 das 19 etapas e foi ao pódio em outras 6. Nas demais 3, foi quinto, nono e quarto. Seja na F3 ou na F1, pilotos como Hamilton dominam a competição.

Segui de perto Hamilton no passo seguinte ao da F3, quando competiu na GP2, antigo nome da F2, em 2006, e também foi campeão, com a ART, depois de uma luta duríssima com Nelsinho Piquet, da Piquet Sports. A GP2 corria nos mesmos fins de semana da F1, como agora a F2.

Guardei aquela informação da F3 comigo, a impressão que me foi repassada por Hamilton em Mônaco. Pois em 2016, durante entrevista com ele para o GloboEsporte.com, no GP Brasil, acabei por lhe contar a minha experiência. Isso porque a nossa conversa fluiu tão espontânea que virei o entrevistado.

Lisonjeado

Hamilton me fez várias perguntas sobre Senna, seu ídolo, pois lhe disse que o conheci em 1978, no kartódromo existente do outro lado da área dos boxes de Interlagos, apontando o local, quando nem cursava jornalismo. Ao ouvir o que lhe falei sobre seu estilo me lembrar Senna, reagiu desta forma, demonstrando grande supresa e satisfação, revelada no sorriso largo: “Really?” ou “Verdade?”

Sigo resgatando o que me disse a seguir: “É incrível, é ótimo saber que tem gente capaz de enxergar o que faço, ou procuro fazer. Trago isso comigo desde o kart. E com carros de grande potência garanto não ser fácil. Obrigado”.

O inglês desejava saber o máximo de Senna, com perguntas sucessivas: “Como ele era com vocês, jornalistas? Ouço todo mundo falar que vocês tinham mais liberdade para trabalhar que hoje, era mesmo melhor? Senna era alto? Vi corridas dele que me impressionaram. Você estava aqui em 1990 ou 1991, acho, quando ganhou com o câmbio travado?”

Respondi o que sabia da minha relação profissional com Senna e aproveitei para lhe perguntar se naquele tempo, 2005, ainda na F3, pensava que poderia ser um grande campeão na F1, figurar dentre os maiores da história. “Eu assistia às corridas de F1, como essa de Mônaco que você mencionou, e dizia a mim mesmo ‘sou capaz de bater esses caras’. Sempre acreditei na minha capacidade.”

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Surpreendeu a assessora

Rosa Herrero Venegas, sua assessora na Mercedes, sempre presente nas entrevistas, já me contou que em certas conversas não mais aponta o relógio para o seu piloto, pois percebe que está aproveitado o momento e pede para não ser interrompido. Esse privilégio nas conversas com Hamilton me levaria a ganhar um presente profissional dele, no ano seguinte.

Também na tradicional entrevista que faço sozinho com Hamilton, pois não entrevisto ninguém em grupo, decidi que não faria perguntas de F1, mas apenas de sua vida pessoal, tudo muito delicadamente, claro, e respeitando sua privacidade. Rosa Herrero se impressionou com a postura de Hamilton na nossa conversa.

Como ele não se separa do celular, o meu foco era tentar desvendar os seus mistérios, o que o fazia mesmo nas entrevistas coletivas estar atento ao aparelho. Sem que eu jamais esperasse, mostrou-me no seu celular o que estava redigindo antes de começar a nossa entrevista.

Presente para a mãe

Hamilton: “Olha aqui, estou escrevendo para um amigo reservar um resort para minha mãe (Carmen) e algumas de suas amigas. E nesta outra mensagem, repare que pedi para comprar um presente para a minha mãe. Quero fazer um surpresa para ela e suas amigas”.

Em seguida, Hamilton me mostrou outra mensagem de texto. Era para um grupo de amigos. Ele também se sentia incomodado em sair para jantar com a turma e vários dedicarem generoso tempo ao uso do celular.

Hamilton: “Veja o que combinamos. Vamos ao restaurante e decidimos colocar os celulares um em cima do outro, em forma de cruz. O primeiro que tirar o celular da coluna para atender uma chamada ou desejar enviar alguma mensagem irá pagar a conta. E posso te dizer que não custa pouco”.

Rosa Herrero manifestou, de novo, sua surpresa com o comportamento liberal de Hamilton com assunto que não costuma falar com a imprensa, sua vida pessoal.

Como vou à maioria de suas entrevistas, na Mercedes e nas programadas pela FIA nos fins de semana de GP, e sento na primeira fileira, a poucos metros dos pilotos, meu rosto lhes é familiar, mas a relação de proximidade não passa disso. Ok, com alguns deles até ganhamos o direito de perguntar algo no paddock quando nos cruzamos.

No ano passado, também em Interlagos, quando a coletiva dos três primeiros colocados acabou e todos se levantaram, Hamilton se aproximou e perguntou a minha opinião sobre o acidente entre Max Verstappen, da Red Bull, e Esteban Ocon, Racing Point, no S do Senna. Ocon, retardatário, estava de pneus novos e tentava ultrapassar Max, líder da prova, para entrar na sua volta. Os dois se tocaram, Max rodou e Hamilton herdou o primeiro lugar. Max ficou em segundo.

Confesso me surpreender pois, como expliquei, é errado pensar que por conta desses instantes de revelação dos pilotos nas nossas conversas as relações profissionais mudam, se tornam mais próximas. Aprendi em 30 anos de F1 que as coisas não funcionam assim, na grande maioria dos casos.

O fato é que percebi que o assessor da FIA, Matteo Bonciani, tentava levar Hamilton à área reservada às emissoras de TV e me contive na minha argumentação, falei pouco. Para mim, não havia dúvida, Ocon deveria ser punido até exemplarmente. Para Hamilton, não, e tentava se explicar. “Vamos voltar a falar disso”, disse-me, enquanto entrava no reservado para as TVs.

Imagem: AFP

Carros raros

Resido em Nice, ao lado de Mônaco, nação escolhida por vários pilotos por não cobrar impostos de seus moradores estrangeiros e situar-se em posição estratégica, próxima da maioria dos GPs na Europa. Hamilton mora em Mônaco.

Já o vi com seu Cobra 1967 negro, tudo original, conversível. Ele tem uma coleção de carros raros e não se importa em ser reconhecido, o que não é o caso de Max, pois sempre está com uma escuter e de capacete. “Era eu mesmo”, disse-me quando contei que o vi na praça da entrada do túnel. Estava acompanhado de sua namorada de longa data, a cantora americana Nicole Scherzinger, de quem se separou, em definitivo, em 2015.

E virou outro homem, ou melhor, permitiu fluir sem policiamentos a sua real personalidade. Mesmo quem convive com Hamilton apenas nos autódromos percebe ele ser hoje uma pessoa mais feliz, mais em harmonia consigo próprio. A temporada de Hamilton em 2018 é tida por muitos profissionais da F1, da ativa e do passado, como uma das mais perfeitas de um piloto em todos os tempos.

Na entrevista de 2018, Hamilton me falou: “Eu faço mais o que gosto, estou em grande sintonia comigo mesmo. Tenho sorte de minha equipe entender meu modo de vida. Toto (Toto Wolff, diretor da Mercedes) entendeu que eu produzo mais por me sentir mais feliz. Eu adoro, por exemplo, tatuagens. Contratei um tatuador para fazer uma em mim, no motorhome do time, durante os intervalos dos treinos da pré-temporada e todos entenderam”.

Defensor da natureza

Um pouco do que observo de Hamilton por esses anos todos estar bem próximo nas entrevistas: aos 34 anos, em profunda paz consigo próprio e seus princípios, Hamilton tem se tornado cada vez mais um ativista em prol da conservação ambiental.

“Vendi meu avião, viajo muito menos, expressei ao meu staff minha política de não consumir nada em garrafas de plástico, adoto a filosofia vegana e nunca me senti tão forte, física e mentalmente.”

Já me confessou, durante entrevista, o que planeja fazer depois de deixar a F1, “o que não será nos próximos três ou quatro anos”. Ele já negocia com Toto Wolff a renovação do contrato que termina no fim de 2020.

“Eu não me vejo sentado vivendo do que já ganhei, quero investir em um projeto que vise salvar o planeta, como a indústria dos carros elétricos. Acho o projeto da Tesla incrível.”

Vaidade pessoal

Hamilton adora, como mencionado, tatuagens e jóias. Jóias muito caras. Mas dinheiro não é problema para ele. Seu último contrato com a Mercedes lhe garante 40 milhões de libras (R$ 220 milhões) por ano, mais 125 mil dólares (R$ 500 mil) por pole position e 300 mil dólares (R$ 1,2 milhão) por vitória, fora os contrator de publicidade pessoais, que lhe permitem ter um faturamento estimado de 50 milhões de libras (R$ 275 milhões) por temporada, um dos esportistas mais bem pagos do mundo.

”Tenho uma casa na Inglaterra, outra em Mônaco, no Colorado (EUA) e um apartamento em Nova York. No Colorado, construí um segundo estúdio, a música faz parte da minha vida, e em Nova York por estar envolvido com o universo da moda.” Em 2018, Hamilton lançou em Nova York a linha TommyLewis em associação com a Tommy Hilfiger.

Seis títulos mundiais, 248 GPs disputados desde a estreia na F1, em 2007, pela McLaren, 83 vitórias (33,46%), 150 pódios (64,48%) e 87 poles (35,08%), números que colocam Hamilton muito próximo de tornar-se o primeiro em absoluto em todas as estatísticas de máxima performance da F1. Apenas Michael Schumacher está na sua frente, com sete títulos, 91 vitórias e 155 pódios. Em poles Hamilton lá lidera o ranking. Alguém duvida que Hamilton se tornará o primeiro em tudo

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