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O passo a passo (mais indicado) para o piloto chegar na F1

O passo a passo (mais indicado) para o piloto chegar na F1

Sérgio Sette Câmara, piloto da equipe Carlin na F2, patrocinado pela Youse, foi direto ao assunto quando a reportagem lhe perguntou sobre a sua preparação para realizar o sonho, e de centenas de pilotos, de tornar-se um piloto de F1, mais que isso, como lembrou, “um piloto de sucesso na F1”:

Para chegar na F2 já é preciso investir muito na sua formação. O piloto já passou por várias temporadas em outras categorias, de menor potência, velocidade. É um processo contínuo de aprendizado, ter contato com a velocidade crescente. E tudo começa no kart, a grande escola primária de todos nós, ao menos da grande maioria.”

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Pergunta para responder rápido: o que há em comum entre os três pilotos brasileiros campeões do mundo, e em épocas diferentes? A saber: Emerson Fittipaldi, em 1972 e 1974, Nelson Piquet, 1981, 1983 e 1987, e Ayrton Senna, 1988, 1990 e 1991.

Resposta: os três começaram suas carreiras, ou como disse Sérgio, sua formação, no kart.

“As reações que temos no kart são, basicamente, as mesmas sentidas no cockpit do carro de F1, o que muda é a proporção, muito maior na F1.”

A afirmação é de ninguém menos de Senna. Ele gostava tanto de treinar, se divertir, competir no kart que construiu um kartódromo na sua fazenda, em Tatuí, interior de São Paulo.

Sérgio explica que em um kart as reações são muito rápidas, você tem de reagir de imediato a uma derrapagem das rodas dianteiras, traseiras, ou mesmo das quatro rodas. Esse ensinamento será útil para o restante da carreira de piloto.

“É preciso aprender a largar, ultrapassar, evitar uma ultrapassagem, saber se posicionar na pista, planejar a corrida.”

“As sensações são as mesmas que tenho hoje na F2. E a técnica de correção, manter trajetória, também não são diferentes das que aprendemos no kart. Nessas competições, além de aprendermos os fundamentos de como ser rápido, trajetória, frenagem, dosagem da aceleração, posição do volante, estamos falando de competição, onde você não está sozinho na pista. Portanto é preciso aprender a largar, ultrapassar, evitar uma ultrapassagem, saber se posicionar na pista, planejar a corrida. Se você pensar apenas em sentar no kart e acelerar não vai a lugar algum. Repare quantas coisas mencionei e são fundamentais, a base do aprendizado de um piloto. Tudo proporcionado pelo kart.”

Nada pode passar despercebido

O piloto de Minas Gerais, 20 anos, conta ainda, que como no kart há poucos recursos, sistemas para intervir, diferentemente de um F2, por exemplo, o piloto aprende a prestar atenção a todo detalhe no acerto do chassi e motor que pode lhe garantir alguns milésimos de segundo de performance. E essa formação o piloto leva consigo para onde for. “O kart forma pilotos sensíveis“, afirma Sérgio.

Um adolescente que deseja seguir a carreira de piloto, quando atinge 15 anos é já um veterano das pistas, pois começou sua formação no kart quando ainda tinha sete, oito anos. Aos 16 anos já é possível competir com automóveis. Hoje, na F4, a primeira escala no automobilismo fora do kart, a grande maioria dos pilotos tem 16, 17 anos. Alemanha, Itália, Inglaterra, promovem os campeonatos da F4 mais disputados e, portanto, melhores para a formação de seus pilotos.

O kart utilizado para as disputas mais importantes tem chassi tubular e motor de 100 cc, cerca de 32 cavalos, e velocidade final de 140 km/h. Já no primeiro estágio dos carros, por exemplo a F4, os chassis são do tipo monocoque, avançados, o motor de 1,6 litro, responde com 180 cavalos, e os pneus são relativamente largos, se comparados aos dos veículos de série. Atingem 190 km/h.

O passo seguinte ideal para uma melhor formação do piloto é disputar um ano na F Renault 2.0, de preferência o Campeonato Europeu, o de nível de pilotos e equipes mais elevado. Com seu chassi que conceitualmente lembra o da F1, motor de 2,0 litros, 210 cavalos de potência, representa um salto a mais de performance para o piloto ir se habituando, aprendendo.

Hora da verdade

Depois do kart, Fórmula 4, Fórmula Renault 2.0, chegou a hora de um pulo ainda maior, a superdisputada F3, onde cada mínimo detalhe mecânico e aerodinâmico faz grande diferença no desempenho global do carro. Em geral é aqui que o piloto sente que pode seguir carreira ou deve repensar sua escolha profissional, uma espécie de hora da verdade. Sergio disputou duas temporadas da F3 europeia, a mais concorrida. E concluiu ter predicados para voos bem mais altos:

“Aprendi a ser piloto, em um nível mais elevado de exigência, na Fórmula 3.”

“Aprendi a ser piloto, em um nível mais elevado de exigência, na F3, nas 33 corridas de 2015, 30 de 2016, na equipe Motopark. Como hoje estou na F2, vejo como foi essencial para mim e, creio, para os 20 pilotos do nosso grid, ter passado pela F3. É um mini F1, sem querer exagerar. O que quero dizer é que você aprende o que acontece se eleva ou abaixa o assoalho em 1 milímetro, como o carro reage se der um grau a mais ou a menos de asa. A aerodinâmica tem peso grande, maior do que você estava acostumado até então.”

Sérgio continuou falando da F3:

“Como é um carro que tem um chassi incrível (produzido pela Dallara, italiana), superdimensionado para o motor de 2,0 litros de 240 cavalos, você aprende que para ser rápido precisa ser o máximo preciso possível na tocada, na pilotagem. Se virar demais o volante, arrastar rodas, tenha certeza de que perderá tempo para outro que foi mais preciso. Na F3 você refina a pilotagem e aprende a trabalhar no acerto do chassi onde os conceitos são os mesmos da F2 e da F1, guardadas as proporções. Em resumo, excelente escola.”

Os carros da F3 atingem velocidades máximas de 240 km/h, mas são suas elevadas velocidades nas curvas, gerada principalmente pela geração de pressão aerodinâmica, que mostram a eficiência geral do projeto.

Este ano, o Campeonato de F3 mais disputado, equilibrado, de alto nível, é o Europeu, do filho de Michael Schumacher, por exemplo, Mick, 19 anos, da equipe italiana Prema, vice-líder da competição. O primeiro colocado é o britânico Dan Ticktum, da Motopark, três pontos na frente de Mick, 164 a 161. Faltam duas etapas, seis corridas, para o encerramento do campeonato.

O funil se estreita

Sérgio fala, agora, da F2:

“O passo seguinte na nossa formação de piloto, depois da F3, para quem deseja chegar na F1, creio ser o caso de todos no grid, é a F2. Não há outra categoria que te forma tão bem para a F1 como a F2. E mesmo assim as diferenças entre as duas são grandes. Mas é o que tem. Essas diferenças são, por exemplo, na potência, 600 cavalos, na F2, e mais de 900 na F1. Na supereficiência do chassi da F1, com componentes novos introduzidos pelas equipes quase a cada etapa do campeonato, enquanto o nosso chassi, Dallara, é o mesmo para todos, do começo ao fim do campeonato, e tudo deve ser original, não é permitido desenvolvimento, a não ser no acerto que cada piloto realiza com seus engenheiros.”

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Em uma pista como a de Mônaco, a F1, com pneus hipermacios, bem mais rápidos que os macios da F2, Daniel Ricciardo estabeleceu a pole position, este ano, com o tempo de 1min10s810. Na F2, a pole foi de Alexander Albon, da DAMS, com 1min21s727, ou algo como 11 segundos mais lenta.

Em um traçado como o de Barcelona, de média velocidade, o pole na F1 foi Lewis Hamilton, da Mercedes, com 1min16s173, enquanto na F2, de novo Albon ficou em primeiro no grid, com 1min28s142, cerca de 12 segundos de diferença.

Carro do Sérgio Sette Câmara na F2 (Foto: James Gasperotti)

Sérgio: “A preparação que tivemos do kart a F2, no meu caso passando apenas pela F3, representa um salto menor do que faremos, a seguir, para a F1. Já participei do programa de formação da Red Bull, fiz muito simulador de F1 e mesmo um teste com o carro da Toro Rosso, em 2016. E deu para ver que em termos de velocidade, por exemplo, você pega sem grandes dificuldades a mão do carro de F1, mas interagir com seus muitos recursos, algo que não temos na F2, exige um tempo”.

Mais de Sérgio sobre se preparar para a F1:

“Como gosto de ter contato, dominar essas novas tecnologias, estudei tudo antes e no dia não fui pego muito de surpresa, mas confesso que ali na hora, no cockpit de F1, tendo de tirar os olhos da pista para ver o onde você vai mexer nos comandos do volante, para modificar as muitas funções existentes, a fim de ser mais rápido, não é algo que você faça de cara, ao menos com a desenvoltura que a F1 exige.”

Escolas profissionalizantes

Para resumir a história da formação dos pilotos, as possibilidades de uma preparação profissional cresceram muito. Um jovem piloto quando chega na F2 e depois na F1 já passou por as mais distintas experiências, nos mais diferentes exames a que estará submetido, habilidade na condução, sensibilidade para passar aos engenheiros as reações do carro, a fim de melhor acertá-lo para o circuito, coragem, por que não?, conhecimento técnico, controle emocional, dentre outros.

É tudo bem diferente do que acontecia no passado, onde os pilotos iam para o autódromo e tinham de descobrir lá na hora os desafios que os aguardavam e tinham de responder, sem pensar muito, a todos eles. Era mais intuitivo. Hoje, mais profissional, mais pilotos têm chances de se formar bem para o automobilismo, mesmo não dispondo de muitos recursos pessoais, como talento.

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As academias das equipes de F1 e mesmo outras não ligadas a times preveem quase tudo que o piloto irá passar, já que são administradas por profissionais com vivência nas pistas, nas mais distintas atividades, e propiciam aos pilotos excelente formação. Permitem importante evolução em espaços de tempo relativamente curtos, ajudam a expor as áreas que mais precisam de desenvolvimento e as que são dotes naturais dos pilotos.

É por esse conjunto de elementos que as competições, F4, F3, F2, se tornaram mais disputadas, mais participantes têm agora acesso ao sucesso, pela possibilidade de se prepararem cientificamente. No passado, só o talento quase que resolvia.

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