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O que as academias da Ferrari, Mercedes e Red Bull ensinam aos pilotos da F1?

O que as academias da Ferrari, Mercedes e Red Bull ensinam aos pilotos da F1?

O que há em comum entre sete dos dez primeiros colocados no campeonato de F1 deste ano? É possível ir além: entre 15 dos 20 pilotos do grid na etapa de encerramento da temporada, dia 25, no Circuito Yas Marina, em Abu Dhabi?

Todos foram formados por academias para jovens pilotos da F1, geridas pelas próprias equipes.

Diante de serem a maioria, fica mais fácil especificar as exceções: Kimi Raikkonen, Valtteri Bottas, Nico Hulkenberg, Fernando Alonso e Marcus Ericsson. Os demais vieram dos programas mantidos por McLaren, Red Bull, Ferrari, Renault e Mercedes.

Mas o que são essas academias ou programas de formação de pilotos?

Fábrica de pilotos da F1

O responsável pela Renault Sports Academy, o malaio Mia Sharizman, ex-chefe de equipe de F2, explica:

“Fundamentalmente desejamos descobrir meninos de talento para pilotar e crescer a ponto de tornarem-se campeões do mundo, com nossa equipe, claro. Para isso procuramos oferecer todas as condições para o seu desenvolvimento.”

É isso. Até essas verdadeiras escolas com “professores” especializados em muitas das áreas do automobilismo surgirem, no começo dos anos 2000, os pilotos não contavam com uma metodologia pode-se dizer científica para formá-los.

“Não é pecado dizer que recorremos ao que os clubes de futebol fazem. Eles têm programas para crianças de 6, 8, 10, 12, 14 anos, algo do gênero. E disponibilizam de tudo, a exemplo de treinamento para melhorar a técnica, a condição física e psicológica”, diz Sharizman.

O guru de muitos dos responsáveis por esses programas é o ex-piloto de F1 dos anos 70, o austríaco Helmut Marko, hoje com 75 anos, homem-forte do Red Bull Junior Team. Isso porque o seu currículo é extraordinário. Os pilotos que ele pinçou em meio a tantos que surgem e investiu na sua preparação conquistaram nada menos de quatro títulos mundiais e já venceram 64 GPs de F1.

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“Você pode medir o sucesso do nosso programa pelas estatísticas e também pela idade com que os pilotos estão chegando na F1. Max, com 16 anos, já pilotava o carro da Toro Rosso com desenvoltura impressionante“, afirma Marko. E complementa:

“Mas é sempre um investimento de risco, alto risco. Os valores necessários para formar um piloto da F1 a ponto de ele lutar por vitórias e depois o título mundial é bastante elevado. Você nunca ter certeza de que dará certo. Basta ver o número de meninos que trabalhamos nesses nossos 17 anos de atividade e quantos chegaram lá. Mas uma vez dando certo, vale a pena o investimento.”

Os pilotos de maior sucesso cujas carreiras foram gerenciadas pelo programa liderado por Marko são Sebastian Vettel, tetracampeão do mundo com a Red Bull, de 2010 a 2013, Daniel Ricciardo e Max Verstappen, ambos campeões em potencial também. Os que foram dispensados, em geral, criticam seus métodos ortodoxos.

Não reconhecimento

Ron Dennis, ex-sócio da McLaren, cita outro aspecto desses programas, o da ingratidão.

“Lewis (Hamilton) foi mantido por nós desde o kart. Passou pela F Renault, F3, GP2 e competiu com nosso time na F1. Por conta da sua competência, na qual tivemos responsabilidade, pelo que oferecemos para evoluir, venceu conosco o campeonato de 2008. Agora (2012) decide partir. Ok, seu contrato vai terminar no fim do ano, mas…”

O piloto que este ano conquistou o quinto título mundial, Hamilton, deixou a McLaren no fim de 2012 e apostou no crescimento da Mercedes. Foi uma aposta certa. Com a escuderia alemã tornou-se campeão em quatro dos cinco últimos mundiais. A exceção foi a temporada de 2016, em que o companheiro de Mercedes, Nico Rosberg, celebrou a conquista.

Nada mais os surpreende

Jackie Stewart, ex-piloto escocês, trêz vezes campeão, em 1969, 1971 e 1973, acredita que esses programas aceleraram muito o desenvolvimento dos pilotos. Falou a gente:

“Eles chegam na F1 e quase mais nada é surpresa, representa uma descoberta. Na área técnica, as equipes os submeteram a um curso intensivo sobre os vários recursos do carro, hoje impressionantemente interativos. Não sei como eles conseguem pilotar a 300 km/h e tirar uma mão do volante para mexer nos botões de comando. Pior: desviar o olhar da pista para ver as indicações na tela no volante.”

Stewart diz mais:

“Tudo isso é treinado à exaustão nos simuladores. Esses equipamentos complexos atingiram, também, elevado estágio de fidelidade em relação ao que os pilotos enfrentam na pista. Já tive a oportunidade de experimentá-los. Se você não conhece a pista e treina nos simuladores, quando vai para o circuito real já está familiarizado, com o carro, o traçado. Como falei, os pilotos hoje chegam verdadeiramente preparados para sua estreia na F1 e depois para se desenvolverem.”

No máximo uma conversa

Outro piloto com quem a reportagem da Youse entrou em contato foi o francês Rene Arnoux, com 149 GPs de experiência, de 1978 a 1989. Venceu sete GPs, obteve 22 pódios e largou 18 vezes na pole position. Em 1983 terminou o campeonato em terceiro, pela Ferrari.

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O que mais me impressiona, hoje, é que no meu tempo, quando chegávamos a F1 e andávamos no carro pela primeira vez, saímos pasmos. Conversávamos entre nós, rindo, um perguntando ao outro como faríamos para controlar aquela máquina. A velocidade de aproximação de curva, o ponto de freada, na cara da curva, a retomada de velocidade, o vácuo gerado, enfim não tínhamos ideia de que era assim. O ápice da nossa profissão.”

Arnou falou mais:

“O máximo de ajuda da equipe era uma breve conversa antes de sentar no carro. Até porque o volante se destinava apenas para esterçar as rodas, não era como hoje, com todo tipo de recursos. O que desejo dizer é que ficávamos literalmente por nossa conta, ao passo que hoje a equipe procura assumir quase todas as responsabilidades. Esses programas de formação revolucionaram a F1. E são conhecimentos que você vai usar para o restante da carreira.”

O inglês Nigel Mansell, campeão do mundo de 1992, com a Williams, disse há dois anos, no México, em conversa informal com os jornalistas.

“Essa geração que já nasceu com o celular na mão tem bem mais facilidades do que a minha, por exemplo, com esses carros em que você tem de intervir várias vezes nos comandos, na mesma volta, para tirar mais velocidade. Eu experimentei um simulador. Primeiro fiquei tonto, com as imagens. E depois vi que pilotar era uma parte, apenas, das minhas tarefas. Mas se você tem a chance de praticar dias seguidos nas equipes, nessas academias, é inegável que você está acumulando horas de pista, pela realidade do simulador.”

Tudo pago

Apesar de haver um currículo básico a ser administrado aos “alunos” da academia, elas mantêm relações quase caso a caso com os pilotos. Para alguns, como foi com Hamilton na McLaren, o time pagava tudo para ele chegar até a F1. O investimento da McLaren no inglês, do kart aos seus títulos na F Renault, F3 e GP2 foi algo como 2,5 milhões de libras (R$ 12,5 milhões).

Mas há também relacionamentos em que a academia se responsabiliza por parte dos gastos, apenas. O restante fica a cargo do piloto.

O campeão e vice da antessala da F1, o campeonato da F2, este ano, pertencem a academias. O inglês George Russell, 20 anos, primeiro colocado, é desde janeiro de 2017 piloto do programa da Mercedes. E o segundo colocado, o inglês Lando Norris, 19 anos, da McLaren.

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Toto Wolff fez de tudo para levar Russell à F1. Bancou sua temporada na F2, investimento de 1,5 milhão de euros (R$ 6,7 milhões), e agora negociou com a Williams para contratá-lo, oferecendo um desconto de 5 milhões de euros (R$ 22 milhões) no valor a ser pago pelo time inglês pelo uso da unidade motriz Mercedes. Wolff deve ainda se responsabilizar por pagar Russell. Provavelmente 1 milhão de euros (R$ 4,4 milhões) nesse seu primeiro ano na F1.

Norris pulou direto da F2 para a segunda escuderia de melhor estatística na história da F1, a McLaren, com tudo sob responsabilidade do time.

Sérgio, na escuderia de Senna

Sérgio Sette Câmara, patrocinado pela Youse, será piloto de testes da McLaren, time com o qual Ayrton Senna conquistou seus três títulos mundiais, em 1988, 1990 e 1991. Assinou contrato em novembro. Vai principalmente trabalhar no programa de desenvolvimento do modelo de 2019 no simulador da escuderia, com sede em Woking, ao sul de Londres.

Mas sua temporada na F2, em 2019, com a equipe francesa DAMS, está sob sua responsabilidade. Bem como o planejamento e execução do programa de treinamento físico e psicológico.

Sérgio mantém com a McLaren um relacionamento, como mencionado, em que o time lhe oferece algo específico, no caso a possibilidade de estar em contato com o mundo da F1 nos fins de semana de corrida e discutir com os engenheiros, na área do simulador, a evolução do chassi e da unidade motriz. Esse precioso conhecimento lhe será extremamente útil quando, tudo dando certo, estrear na F1 em 2020.

Massa, pioneiro para os italianos

A academia da Ferrari começou quando, no ano 2001, Jean Todt, seu diretor, assinou com Felipe Massa, então líder do campeonato europeu de F3000. Viria a ser campeão. Todt o colocou na Sauber, em 2002, o pegou como piloto de testes da Ferrari, em 2003, época em que se treinava quase todo dia, e o levou de volta a Sauber em 2004 e 2005. A Sauber competia com motor e câmbio Ferrari. Pagou menos por eles. Massa viria a ser aproveitado pela própria Ferrari de 2006 a 2013. Em 2008 foi vice-campeão do mundo. Ficou um ponto atrás do vencedor, Hamilton, 98 a 97.

Outros pilotos que saíram da Ferrari Drivers Academy: Jules Bianchi, 2009, Sérgio Perez, 2010, Lance Stroll, até 2016, e a estrela da companhia, o monegasco Charles Leclerc, 20 anos, estreante este ano na F1, pela Sauber, onde ratificou seu imenso talento. Será o companheiro de Vettel na Ferrari em 2019.

Na Ferrari Drivers Academy há dois brasileiros de talento, adolescentes ainda: Enzo Fittipaldi, 17 anos, campeão da F4 italiana, e Gianluca Petecof, 16, quarto colocado.

Na Mercedes, Wolff formou, além de Russell, por exemplo o francês Steban Ocon, apesar de este ter começado no programa da Renault. Ocon será piloto de testes e reserva da Mercedes em 2019. Se Valtteri Bottas não corresponder no ano que vem, Wolff tem Ocon, pronto, e quem sabe até mesmo Russell. Depende do que o inglês fará na Williams.

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A Renault foi quem primeiro trabalhou o talento do polonês Robert Kubica, o combativo Romain Grosjean, dentre tantos outros. Hoje treina sete jovens nas categorias de base.

O Red Bull Junior Team tem um piloto bem encaminhado para estar pronto para a F1 em 2020, o inglês Dan Ticktum, vice da F3 europeia, este ano, e programado para disputar a Super Formula, no Japão, com carros mais rápidos que os da F2. Há outros jovens também nas demais competições.

Correspondeu, fica

Todos os pilotos das cinco academias estarão em atividade na próxima temporada. Os que atingirem as metas estabelecidas pelos programas, descontadas as quebras e os incidentes capazes de comprometer resultados, vão ganhar mais um ano de contrato. Os que mesmo considerando esses atenuantes não confirmarem ser o que se imaginava deles terão de seguir carreira por conta própria.

Dizem que sou duro, cobro muito. O que tenho a dizer é que nossas regras são claras. Investimos nos pilotos de F1, procuramos oferecer o melhor possível e em troca cobramos resultados. A regra é simples. Quem não corresponde ao que esperamos é dispensado. No momento que os escolhemos eles sabem disso”, afirma Marko.

Curiosamente, o homem que mais descobriu campeões na F1 enxerga com um olho apenas. No GP da França de F1 de 1972, Marko, piloto da BRM, acompanhava os primeiros colocados. O Circuito de Clermont Ferrant era montado em uma estrada. Uma pedra lançada pelos carros na sua frente perfurou a viseira do capacete e atingiu o olho esquerdo de Marko, cegando-o. Sua carreira de piloto acabou ali.

No ano anterior, havia vencido as 24 Horas de Le Mans, em parceria com o holandês Gijs van Lennep, de Porsche 917. Segundo Marko, a pedra veio do March de Ronnie Peterson. Segundo a maioria, da Lotus de Emerson Fittipaldi. Seja como for, com um olho só o austríaco enxerga longe.

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